Está na moda dizer que dois copos de vinho tinto por dia fazem bem ao coração. De fato, é isso mesmo que os estudos estão mostrando, mas é importante não ver nesses resultados um possível incentivo ao abuso do álcool. Como o brasileiro está acostumado a cervejas e caipirinhas, vamos aproveitar o tema para começar tratando das vantagens e riscos das bebidas em geral.
O grupo das bebidas alcoólicas compreende a cerveja, a cachaça, o uísque, a vodka, o vinho, e muitos outros destilados e fermentados.
O álcool sempre esteve presente na vida do homem desde as civilizações mais antigas. Seu consumo, na maioria das vezes, está associado a festas e a estados alterados da mente. Festa sem bebida não é festa, é o que até hoje se costuma dizer.
O álcool atua como um depressor do sistema nervoso central, agindo especialmente no setor da crítica, ou seja, o álcool faz com que as pessoas rompam suas barreiras comportamentais, ficando mais à vontade, agindo com menos precaução.
Por isso mesmo, além de estar ligado a festas e alegria, o excesso de álcool está diretamente relacionado ao aumento da violência, dos acidentes de trânsito, além de problemas de saúde. Num balanço superficial, pode-se dizer que o álcool provoca mais danos que o cigarro e todas as outras drogas juntas, as lícitas e ilícitas. Um estudo da Associação Médica Canadense mostrou que o consumo de álcool dobrou entre 1950 e 2001.
Só para lembrar, os uísques e as aguardentes em geral – incluindo a nossa cachaça – têm um teor alcoólico entre 40% e 50%. O vinho tem por volta de 12%. As cervejas ficam entre 4% e 6% de álcool. Quem bebe um litro de cerveja, ingere aproximadamente a mesma quantidade de álcool de quem bebe uma dose de bebida destilada. O que também corresponde a cerca de dois copos de tamanho médio de vinho.
O álcool, em geral, é uma fonte energética. Por exemplo, uma garrafa pequena de cerveja significa de 70 a 125 calorias. Um copo de vinho tem cerca de 85 calorias. Justamente por ser uma fonte de energia, o álcool em excesso pode tomar o lugar dos alimentos nutritivos e interferir com o metabolismo de alguns nutrientes. Quem bebe sempre, e muito, acaba perdendo a fome. O excesso de álcool também aumenta os riscos de câncer, principalmente da boca, faringe, laringe e esôfago.
O PARADOXO FRANCÊS
Vamos voltar agora ao tema inicial da nossa conversa, o vinho tinto e seus bons fluídos. As pesquisas sobre os benefícios dessa bebida começaram com uma interrogação: como é que os franceses, com uma culinária rica em manteiga, creme de leite e queijos gordos, morriam menos de problemas cardíacos do que americanos, ingleses, dinamarqueses, finlandeses e alemães?
Descobriu-se que o diferencial dos franceses é que bebiam mais vinho que os outros. Daí surgiram as primeiras pesquisas e as primeiras respostas: o hábito de tomar um copo de vinho tinto às refeições ajudava os franceses a manter o coração saudável.
Pesquisas anteriores feitas ainda em 1979 já apontavam para uma relação direta entre o consumo de vinho e doenças cardiovasculares. Os estudos mostravam uma baixa incidência de morte por doenças cardíacas em homens e mulheres que consumiam quantidades moderadas de vinho tinto.
Mas o que existe no vinho tinto que pode fazer bem à nossa saúde? Os compostos que são responsáveis pelos efeitos benéficos estão nas uvas. Dentre estes, o que mais se destaca é um composto fenólico chamado resveratrol.
O resveratrol é uma substância (uma fitoalexina) sintetizada pelas videiras, com o objetivo principal de proteger a planta contra infecção por fungos. Essa substância está localizada na casca das uvas e sua concentração varia conforme o cultivo, o clima e o tipo de práticas viticulturais. Concentrações maiores de resveratrol são encontradas em variedades de uvas vermelho-roxas escuras. Como uma consequência das diferenças entre variedades e métodos de processamento das uvas, os vinhos tintos contêm muito mais resveratrol do que os brancos e rosés.
O vinho tinto apresenta uma quantidade 20 a 50 vezes maior de compostos fenólicos que o vinho branco; isto porque, no vinho vermelho, as cascas das uvas são incorporadas durante a fermentação do suco de uva no processo de produção do vinho. Uvas escuras e vinhos tintos contêm altas concentrações de fenólicos (os compostos benéficos), entre 920 e 3.200mg/l. Para efeito de comparação, as uvas verdes em geral contêm somente 260 mg/kg de fenólicos.
COELHO “BOM DE COPO”
O resveratrol pode exercer vários efeitos terapêuticos, os quais são parcialmente devidos ao seu potencial antioxidante. A maioria das pesquisas mostra que esse composto apresenta capacidade de prevenir a oxidação do colesterol LDL (o mau colesterol), um evento crítico no processo da aterogênese, podendo, dessa forma, reduzir o risco de doenças cardiovasculares.
Além da atividade antioxidante, estudos mostram que essa substância protetora presente nas cascas das uvas, vinhos e sucos dessas frutas, pode inibir a agregação plaquetária e a coagulação, além de possuir atividade antiinflamatória.
Recentes pesquisas mostram também que o resveratrol é um potente agente preventivo do câncer. Essa substância teria a capacidade de inibir as fases de iniciação, promoção e progressão do tumor. Entretanto, o mecanismo preciso da atividade antitumoral desse composto ainda não é bem compreendido.
Um estudo desenvolvido pelo Instituto do Coração de São Paulo procurou relacionar o consumo de vinho e suco de uva com a redução do risco de problemas cardiovasculares em animais. Coelhos receberam 1g de colesterol e uma ração diária (25 vezes mais do que costumam comer); um grupo de animais (1/3) comeu essa comida gordurosa e bebeu água; outro terço teve direito a tomar vinho e finalmente o restante bebeu suco de uva. Passados três meses, os coelhos que só beberam água estavam com 70% da aorta (principal artéria do coração) comprometida pela gordura. No grupo que tomou vinho, somente 38% desse vaso sanguíneo estava danificado. E no grupo que recebeu suco de uva, 45%.
Estima-se que o vinho tenha cerca de 200 diferentes substâncias. Além do resveratrol, algumas outras já provaram ser benéficas ao organismo. Entre elas estão os flavonóides, também encontrados em vegetais como a cebola e a maçã, e que tem igualmente propriedades antioxidantes. Ou seja, protegem as células do organismo da ação dos radicais livres, que levam ao envelhecimento.
Dentro dos flavonóides encontrados na uva e no vinho estão a luteína e a quercitina que além do poder antioxidante maior que o da vitamina E, também protegem o coração contra os efeitos das gorduras.
O vinho tinto também contém procianidinas, substâncias naturais da polpa da uva, que aumentam a resistência das fibras colágenas exercendo um efeito protetor sobre as paredes dos vasos sanguíneos.
Os taninos, presentes na casca da uva, que são concentrados através dos polifenóis do vinho, impedem a destruição dos linfócitos de defesa, preservando o sistema imunológico.
Os mais ardorosos defensores do vinho tinto ainda lembram seus benefícios nas funções digestivas, além de aumentar o apetite graças à presença de um aminoácido, o triptofano.
VINHO TAMBÉM FAZ MAL
Depois de todos esses elogios ao vinho, vamos às ressalvas. Para começar, o Brasil é um país de baixíssimo consumo dessa bebida. Enquanto os franceses consomem cerca de 115 litros anuais de vinho, per capita, o Brasil consome apenas 2,09 por pessoa/ano, segundo dados da União Brasileira de Vinicultura. Bebemos muito mais cachaça do que vinho, porque é mais barato, tem efeitos mais rápidos, porém sequelas mais severas.
Excesso de vinho também faz mal. É só lembrar que 100 ml contém de 8g a 10g de etanol, o responsável pela ressaca do dia seguinte. As linhas do limite também dependem do sexo: os especialistas consideram que 4,5 taças de vinho para o homem é prejudicial. Para a mulher, esse nível está em 2,3 taças diárias.
Você não precisa abusar do consumo de vinho tinto para usufruir os benefícios proporcionados pelos compostos ativos. Estudos mostram que dois cálices de vinho tinto por dia (100mL) junto com as refeições são suficientes para proteger seu coração.
Para quem quer os benefícios do vinho sem nenhum risco, vale ficar com as frutas e os sucos. As uvas escuras, ingeridas com casca, e o suco natural de uva, são tão benéficos quanto o vinho.
Como estamos no Brasil, o mais provável é que a maioria de nós continue preferindo a cerveja. Vale repetir que ela é rica em calorias: uma garrafa corresponde a cerca de 300 calorias. Para os mais animados, é bom lembrar que três rodadas com os amigos beiram as mil calorias, quase a metade do consumo diário adequado.